Sobre um passeio em Portalegre e aquilo que fomos recordando ao percorrer o espaço urbano, o jornal PortalegreCultural - http://portalegrecultural.pt/interpretacoes-e-interaccoes-urbanas-na-cidade-de-portalegre/ - publicou um artigo nosso, em que estão referidas informações que muitos Historiadores da Arte desconhecem: ou, em casos específicos, que sabemos quais são, em que formal e oficialmente eles preferem desconhecer!
Seja como for (?), o problema é acima de tudo dessas pessoas (e depois do país, claramente).
Já que, cada vez mais a publicação on line é um facto real, com impacto crescente e incontornável. Bastando aliás, por exemplo, conhecer as Estatísticas das visitas aos nossos blogs para confirmar o que escrevemos.
No base do referido artigo existem, e foram citadas (como há dias se prometeu escrever sobre este assunto), algumas «Analogias fortemente impregnadas de platonismo».
É o caso da obra de Santo Agostinho, onde se encontra a analogia (ou uma comparação com objectivos pedagógicos/catequéticos) entre Deus e o Círculo; mas também com a Esfera.
E é ainda fortemente platónica a obra de Dionísio, chamado o Pseudo-Areopagita, que viveu onde é a Síria actual, cerca de dois séculos depois de Santo Agostinho (que viveu no Norte de África).
Do autor de A Hierarquia Celeste - que foi também tratada no séc. XII por Hugo de S. Victor - sabe-se o quanto influenciou a Arquitectura Gótica, embora continue a ser mais referido o trabalho do Abade Suger em Saint-Denys (como tendo estado no início do novo estilo arquitectónico...)
Assim, o texto seguinte - que já citámos em http://iconoteologia.blogs.sapo.pt/uma-inteligencia-perspicaz-nao-ficaria-69726 - é agora apresentado, ainda e mais uma vez em francês, mas, desta vez tendo logo a seguir uma tradução nossa: i. e., feita com as nossas possibilidades, mas também com todas as nossas limitações*:
“Les verges indiquent le pouvoir royal, la souveraineté, la rectitude avec laquelle elles mènent toutes choses à leur achèvement (…) les équipements de géomètres et d’architectes, leur pouvoir de fonder, d’édifier et d’achever et, en général tout ce qui concerne l’élévation spirituelle et la conversion providentielle de leurs subordonnées. Il arrive aussi parfois que les instruments avec lesquels on les représente symbolise [333 C] les jugements de Dieu à l’égard des hommes, les uns représentant les corrections disciplinaires ou les châtiments mérités, les autres le secours divin dans les circonstances difficiles, la fin de la discipline ou le retour à l’ancien bonheur, ou encore le don de nouveaux bienfaits, petits ou grands, sensibles ou intellectuelles. En somme une intelligence perspicace ne saurait être embarrassé pour faire correspondre les signes visibles aux réalités invisibles.”
(clic para legenda)
"As vergas indicam o poder real, a soberania, a rectidão com a qual elas [a soberania e a rectidão] levam todas as coisas à sua concretização (...) os equipamentos de geómetras e de arquitectos, o seu poder de fundar, de edificar e de concretizar e, em geral tudo o que se relaciona com a elevação espiritual e a conversão providencial das suas subordinadas. Acontece também por vezes que os instrumentos com os quais se representam simbolizam [333C] os julgamentos de Deus em relação aos homens, uns representando as correcções disciplinares ou os castigos merecidos, os outros a ajuda divina em circunstâncias difíceis, o fim da disciplina ou o regresso à antiga felicidade, ou ainda o dom de novos benefícios, pequenos ou grandes, sensíveis ou intelectuais. Em suma uma inteligência perspicaz não ficaria embaraçada por fazer corresponder os sinais visíveis às realidades invisiveis."
Excerto proveniente de Oeuvres Complètes du Pseudo-Denys L’Aréopagite. Trad. Maurice de Gandillac, Éditions Montaigne, Paris 1943, p. 240; o qual, repete-se, foi agora traduzido por nós (sublinhado amarelo).
Apresenta-se e insiste-se na questão, por consistir numa das melhores provas - clara, indiscutível - da validade do que defendemos desde Março de 2002.
Ainda sobre o texto acima, claro que quando se escolhem frases, palavras ou imagens para exprimir ideias, está-se a "fazer corresponder"- e muitas vezes isso ficou estabelecido durante séculos (ou milénios**) - o sentido dessas frases, palavras e imagens, que eram audíveis e visíveis, com "realidades invisíveis", como é o caso de Deus.
Seguem-se as notas do artigo de 23.06. 2014, no PortalegreCultural:
[1] Jorge Rodrigues e Paulo Pereira, Portalegre, Editorial Presença, Lisboa 1988, p. 27.
[2] Jean Delumeau, Des Religions et des Hommes, Le Livre de Poche, Paris 1996, p. 9.
[3] A ideia de “religar” em Religião é muito abrangente. Também passou à Arte através da articulação de círculos e figuras geométricas que aparecem entrelaçadas de vários maneiras. Como explica Vítor Bento (sobre a Ética) a laicização mudou comportamentos. Ver A religião pode salvar a economia?Diário de Notícias, Lisboa 31.05.2014, pp. 4-9.
[4] Santo Agostinho descreveu Deus como um círculo, o que foi ampliado. Inúmeros detalhes construtivos reúnem círculos, triângulos, quadrados, octógonos, etc. A cidade antiga de Sana (no Iémen), ou o Centro Histórico do Porto devem a esses detalhes a inclusão na Lista do Património Mundial da Unesco.
[5] No Palácio Fronteira (Lisboa) há vãos com bandeiras em leque, e no piso térreo janelas altas (parecem elípticas) com losangos. Motivos heráldicos cuja presença na arquitectura doméstica «falava» pelos proprietários.
[6] Na sobriedade (quase iconoclasta) de Bernardo de Claraval, o losango era motivo de Contemplatio, razão porque é muito frequente nas superfícies das igrejas. Ver Marie-Madeleine Davy, Initiation à la symbolique romane. Flammarion, Paris 1977, pp. 208-210.
[7] Manuel da Costa Juzarte de Brito, Livro Genealógico das Famílias desta Cidade de Portalegre, Media Livros SA, Tipografia Peres, Lisboa 2002: Palácio do Visconde de Portalegre, p. 938.
[8] Idem, op. cit., p. 923.
[9] Ver Oeuvres Complètes du Pseudo-Denys L’Aréopagite. Trad. Maurice de Gandillac, Éditions Montaigne, Paris 1943, p. 240.
[10] Estilo (artístico) é o desenho, vindo o termo de objectos pontiagudos – stylus – usados para riscar.
[11] Regina Anacleto em Arquitectura Neomedieval Portuguesa, Lisboa (v. I, p. 60) explica a veneração dos locais altos. Antes existia a igreja de Santa Maria do Castelo, que D. Julião de Alva escolheu para Sé.
[12] Ver A Cidade, Revista Cultural de Portalegre, nº 10 (Nova Serie), Portalegre 1995, pp. 22-24.
[13] É agora difícil compreender, mas houve uma lógica inicial, para o uso da iconografia sagrada nos Palácios. Relaciona-se com a noção da Origem Divina do Poder do rei (ou o dos nobres – senhores feudais). Por extensão, os ditos «serviços públicos» tal como o rei serviam o povo, e usavam as mesmas imagens.
[14] Idem, Manuel da Costa Juzarte de Brito, op. cit., pp. 943-944.
[15] Para Blaise Pascal que viveu no século XVII a igreja era a barca protectora do dilúvio. Dicionário de Símbolos, por J. Chevalier e A. Gheerbrant, Editorial Teorema, Lisboa 1994, p. 116. Acontece que desde o Livro do Génesis (I Livro da Bíblia), e sobretudo, depois de no século XII Hugo de S. Victor ter escrito os tratados De archa Noe, como sabemos esse foi o modelo, alegórico e construtivo,para a igreja Românico-Gótica.
[16] Decorativo e decoroso – sinónimos de decente, conveniente. Ver ainda Catecismo da Igreja Católica, As Santas Imagens e referências ao II Conc. de Niceia (787), Gráfica de Coimbra, 1993, p. 266.
[17] Jacques Le Goff, O Imaginário Medieval, Editorial Estampa, 1994, pp. 35-41.
[18] Michael Lewis citado em Monserrate – uma nova história, Glória Azevedo Coutinho, Livros Horizonte, Lisboa 2008, nota 317, p. 187.
[19] Fica-se a saber que é visto como grande pedagogo, ou ainda que “…está fortemente marcado pela retórica e pelo espírito do período da Contra Reforma...”
http://tinyurl.com/pk4l8t7. Informações vindas da Literatura e de Joaquim de Carvalho, antigo professor de Coimbra:
http://tinyurl.com/of272r5
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*Tratam-se das mesmas razões que nos fizeram acreditar na enorme valia (evidente) dos materiais que fomos encontrando, quer nos estudos do mestrado, quer depois nos do doutoramento. E, cumulativamente, as razões que também temos para evidenciar as imensas desonestidades, e as omissões graves, que se encontram no Ensino Superior português. No nosso caso, a percepção que temos da maneira como são reconhecidos e tratados os que trabalham e obtêm resultados inesperados que - em prol da Ciência, e do desenvolvimento cientifico do país - nunca deveriam ser desvalorizados e portanto menos ainda ocultados!
**São alusões mnemotécnicas, normalmente chamam-lhes Alegorias.
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