...Maçonarias, ou os Trabalhos e a Arte dos Pedreiros. Ainda Architectus e Architector.
Claro que queremos relacionar, deslindar e ensinar sobre um assunto que é muito vasto e está repleto de preconceitos. Onde as palavras perderam o seu significado inicial, razão porque no fim (de um post que tem a dimensão de um artigo) nos socorremos da opinião de Umberto Eco, muito semelhante ao que nós pensamos.
Também porque vários Motores de Busca nos estão a visitar e a utilizar os conhecimentos que vamos deixando on line.
Assim, e entrando no tema, a última palavra - Architector - relaciona-se com o verbo latino arquitectar, como pintor se relaciona com pintar. O agente/sujeito que arquitecta, o que pinta, etc.
Vale a pena lerem o que escreveu Justino Maciel*1 sobre o Architectus, dizendo que significa Carpinteiro Principal.
Acontece que temos uma ideia diferente (na qual, claramente, podemos estar enganados...), mas que aqui fica por nos permitir compreender o que até agora não parece ter sido entendido:
Em Arche não é o agente sujeito, aquele que constrói, que é o principal; mas Arche ou Archi é sim a construção (a tecton ou a tektura) principal.
Então, recapitulando: Archi + Tectura = Edificação Principal.
O que nos permite prosseguir nesta explicação com uma pergunta: Como se detecta ou descobre num aglomerado de edificações (ou numa aldeia) a Edificação Principal? E ainda, porque é que existe/existem num povoado, uma ou várias Edificações Principais?
Perguntas que nos encaminham para algumas respostas, possíveis: a Edificação Principal detecta-se e descobre-se pelas suas formas - que são «principais» ou indicadoras do Princeps.
E a edificação principal existe porque há hierarquias na sociedade, que também as edificações traduzem. Como por exemplo existem no vestuário, descobrindo-se nos trajes de um grupo de pessoas, alguma ordem de importância:
Ou seja, o equivalente existe também nas construções de um qualquer povoado, o que faz com que haja uma aproximação, que é básica e lógica, entre Antropologia e Arquitectura.
Mais, todos sabemos disso, mas por exemplo autores como George Hersey põem a par (ou consideram sinónimos) os ornamentos de uma construção e os paramentos de um sacerdote.
Normalmente as edificações mais destacadas serão as melhores, tendo inclusive, urbanisticamente, uma posição mais saliente ou específica.
Enfim, a Arquitectura pode ter sido (por extensão) a designação ou a característica atribuída, e consignada, à construção principal.
Melhor, essa construção para se ver que era a principal, recebeu vários sinais decorativos, e os mais convenientes, do que era uma língua visual, que a marcou: como sendo a mais importante do povoado, a principal; ou se quiserem a do Princeps.
Vários sinais que, sabemos hoje, provinham da religião e de Deus: a entidade que conferia o Poder (de origem divina ou sagrada) aos Reis, aos Príncipes, aos Nobres. A entidade em nome da qual agiam e governavam.
E aqui basta ler o que existe sobre Cristo-Rei e ir observar «alguma colagem» que foi feita, dos "reis terrenos" ao Cristo (-Rei) do Novo Testamento.
Agora, voltando atrás e repetindo as mesmas ideias, mas com outras palavras, a Arquitectura era/foi uma língua - com um sistema de sinais devidamente articulados - ligada, directa e intimamente à construção, desde tempos imemoriais.
Da construção que Alveneres e Pedreiros - ou os Fazedores das Alvenarias e das Maçonarias dominavam com os seus saberes (que não eram ocultos, ou de mágicos!).
Porém, não dominavam pelo lado da linguagem das formas e dos ornamentos, mas pelo lado prático e experimental, dos dimensionamentos capazes de conferirem a resistência estática, a necessária e a adequada, aos paramentos e outros elementos construtivos; em especial aos elementos portantes.
Há aliás uma frase interessantíssima de Eschwege, referida a propósito do Palácio da Pena e de Possidónio da Silva, mais os seus trabalhos de ornamentos (que foi transcrita por Regina Anacleto - que não a percebeu...*2), a qual exemplifica muitíssimo bem, aquilo de que estamos a escrever.
Ou ainda, a maneira como Soufflot precisou de trabalhar com engenheiros na obra de Sainte Geneviève em Paris*3.
Por nós parece que é tempo de entender (e de falar) por exemplo das maçonarias, não apenas como algo de secreto, e só num contexto, e com uma aura de importância vinda de «teorias conspirativas», q.b.
Mas, positivamente, sendo capaz de abordar o tema com muito mais frequência, sobretudo de maneira descomplexada para a Ciência e o Conhecimento poderem avançar.
Para se compreender aquilo que terão sido, de facto, esses construtores (por vezes chamados "Maçons"): isto é, o equivalente aos engenheiros de estruturas dos nossos dias. Os verdadeiros especialistas na resistência e estabilidade das edificações, capazes de trabalharem em colaboração (menos ou mais, como é desejável), e em harmonia com os arquitectos.
Já os Architectores - como terá sido um Villard de Honnecourt, ou também L. B. Alberti?*4 - eram de formação religiosa/teológica. Quiçá, quase certo, os inventores e transformadores (como fazem os designers actuais) de alguns dos Ideogramas, ou os Kala Schemata, de que temos escrito.
Ou seja, das Iconografias ou imagens que não sendo secretas - pois eram postas diante de todos - mas que tinham formas que apenas os (icono)Teólogos dominavam, na íntegra. Dito por outras palavras, capazes de as saberem dispor e acomodar, quer nas superfícies das construções; quer ainda - e porque assim ganhavam mais valor significante (havendo inúmeras provas destes «processos linguísticos») - nos próprios elementos do suporte estrutural (de acordo com as regras ou a gramática dessa língua visual, muito baseada nas lógicas da Geometria).
Razão porque os Teólogos também precisavam da máxima colaboração daqueles que manuseavam e compunham, na edificação, as referidas massas pétreas: as quais, por isto ficaram conhecidas como Maçonarias.
Ou se preferirem - por estarem ainda demasiado presos aos outros sentidos abusivos dessa palavra - então digam Alvenarias.
Embora a nós nos pareça que as alvenarias são trabalhos menores e as maçonarias de uma escala bastante maior (pode ser perto do que em construção se chama ciclópico); e portanto, a exigirem mais competências e um know how muito específico...
A mesma competência que veio depois a estar na origem do prestígio que os Pedreiros (das grandes obras) forçosamente começaram a adquirir.
Tudo isto é simples, é claro, é óbvio e é compreensível - desde que visto sem apriorismos desvalorizadores.
Pelo que é com muita ironia e alguma graça que Umberto Eco se refere à necessidade que alguns têm de haver SEGREDOS EXTRAORDINÁRIOS A DESVENDAR, para que alguns temas e assuntos «picantes» lhes chamem a atenção e os atraiam*5.
Por nós achamos simplesmente que as sociedades poderiam viver muito melhor - inclusive sem guerras (religiosas) fratricidas*6 - se Conhecimentos como estes, que as Universidades podem e devem produzir, fossem esclarecidos. Se o âmago de tantos temas que estão ainda emaranhados - como verdadeiras teias de aranha velhas, que pingam dos tectos das arrecadações, que ninguém visita nem limpa - fossem revisitados (com muito mais assiduidade).
As Universidades - de várias áreas do que hoje se convencionou chamar Humanidades podem ter imenso que fazer (e alunos para aprender) - se os seus dirigentes se informarem e investigarem!
Caso contrário, e continuando a olhar para as Ciências Humanas como num Laboratório de Biologia se vêem as células - ao microscópio e isoladas de todos os contextos históricos, e/ou os factos seus contemporâneos - claro que não vale a pena ir à Universidade estudar, porque nelas deixou de se ensinar: sobretudo deixou-se de entender o passado, de saber pensar, e logo, deixou-se também de ensinar a compreender!
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*1 - Em Vitrúvio, Tratado de Arquitectura, IST Press, ver na p. 30, nota nº 3.
*2 - Ver Arquitectura Neomedieval Portuguesa, vol. I, pp. 72-3; e em: http://fotos.sapo.pt/g_azevedocoutinho/fotos/texto-regina-anacleto-engenheiros-arquitectos/?uid=9bnzVFWqjpt9DjrGssHi e http://fotos.sapo.pt/g_azevedocoutinho/fotos/?uid=y3GIONbqh05GovrdjVDg#grande
*3 - Na nota nº 188 do nosso estudo publicado como Monserrate uma nova história, nas pp. 81 e 175 defendemos com toda a clareza que as formas ditas simbólicas se impuseram ao estrutural e ao funcional. Com Jacques-Germain Soufflot, na obra de Sainte Geneviève de Paris aconteceu exactamente o contrário (transitando-se para uma nova maneira de trabalhar) quando este arquitecto foi buscar as formas antigas do vocabulário Gótico, para servirem de peças estruturais. Nesta obra de Sainte Geneviève coube a Perronet o trabalho do engenheiro de estruturas, à semelhança do que acontece na actualidade.
*4 - Ler as explicações de Pierre Caye e Françoise Choay, em L'Art d'Edifier de Leon Battista Alberti. Sources du savoir, Seuil, Paris 2004, p.47, nota nº 3.
*5 - Ler a Passo de Caranguejo, Difel, Lisboa 2007, pp. 292-311.
*6 - Ver: http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=29&did=161382