Muitas imagens da arquitectura foram «iconoteologia». Many images of ancient and traditional architecture were «iconotheological». This blog is to explain its origin.
23.1.21

Quem nunca teve um daqueles impulsos que nos leva a comprar mais um livro? Pior: um daqueles livros de que talvez tenhamos ouvido falar, mas que nada garante se venha a tornar num fiel amigo de muitas horas de leitura...

Em resumo, quem não levou para casa mais um volume que não tem espaço na prateleira? E do qual quem sabe, vamos apenas extrair um dia uma frase curtíssima para citar? Frase importante, sem qualquer dúvida, mas que poderíamos simplesmente recolher numa biblioteca, se lá tivéssemos ido, se lá o tivéssemos visto (ao livro), se lá, algures, fosse motivo de curiosidade e se lá o tivéssemos aberto.

É mesmo assim, são muitos ses, muitos os acasos! A fazer-nos lembrar Jacques Attali e o que escreveu sobre labirintos: concretamente Chemins de Sagesse, traité du labyrinthe. E aqui, "tout court", os labirintos que são, ou foram, como voltinhas inesperadas da nossa vida, que, sem se saber como, nos levaram a qualquer coisa de importante, que pode ter mudado (ou vir a mudar) as nossas vidas.

jacquesAttali-labirintos.jpg

Aconteceu com o livro abaixo, trazido da Bertrand, depois da troca, de um outro que já tínhamos lido, e que alguém nos dera. Foi antes do Natal, ficou em cima de uma cadeira, à espera de ter um sítio ou um destino...? Até que um dia, há que arrumar: "O que está aqui a fazer este livro, que nem sequer abri? 

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Claro que não vou aprender latim... Mas as semelhanças com o português são tantas; e o latim estando na raiz do pensamento, como sabemos, claramente, que na relação que sempre houve entre palavras e imagens, muitas dessas imagens, referentes a palavras passaram para a arte..."

Foi então que com calma, pronto, lá o abri. O Latim do Zero.

Mero acaso, ou talvez não, bem no meio do livro, na lição nº 33. E com a dita calma. aquela que nem sempre temos para não ler em diagonal - mas sim a tentar absorver o que estava a ser percorrido pelos olhos. Foi então que quase no fim da página apareceu aquilo em que tanto temos pensado. Horas de reflexão, nunca de seguida, mas desde 2001:

A expressão do invisível.

O que se proclama no Credo cristão, quando sobre "as coisas visíveis e invisíveis", dizemos aquilo em que acreditamos. E aqui chegados, claro que pensamos no chamado Símbolo dos Apóstolos, e depois na sua nova formulação (cerca de três séculos depois) que ficou designada como Símbolo de Niceia-Constantinopla. capa-LatimDoZero-liçaonº33-b.jpg

Ou seja, no nosso caso pensamos - e mentalmente, é mesmo de relance - na passagem que se fez da cultura judaica para o Império Romano, quando à sua frente estava (a imperar) o imperador Constantino. O que ficou conhecido como Constantino Magno, filho, de Constâncio Cloro.

Pensamos, com mais ou menos tempo, nas questões (imensas) surgidas à volta da divindade de Cristo, e o que sobre esse tema se escreveu, e se discutiu. E por isso se fizeram imagens, a que hoje chamamos ideogramas. Imagens simples ou compostas que como verdadeiros datafow diagrams ajudavam a pensar...

Pensamos nas diferentes concepções trinitárias - e naturalmente nos respectivos ideogramas -, que, como sabemos, em grande parte, tiveram os seus fundamentos no Evangelho de João**. Ideogramas que hoje estão, muitos deles, plasmados/estampados (ou "built in") em muitas edificações. Principalmente em igrejas.

E a lição de Latim nº 33 - foi para lá que nos levou, e como fazem as paredes estreitinhas de um labirinto, que não nos deixe recuar - mostrou ainda melhor a ideia (conceptual, filosófica) que está subjacente ao Espirito Santo...

capa-LatimDoZero-liçaonº33-e.jpg

E assim, mais um passo e lá vamos nós, para o único volume (que por acaso temos) da tradução da Bíblia por Frederico Lourenço. Transitámos da passagem acima para o excerto referido (João 3:8). E aí lê-se:

"O sopro, onde quer, sopra. E ouves a sua voz. Mas não sabes donde vem nem para onde vai. Assim é todo aquele que nasceu do espírito"***.

Depois desta frase, no mínimo, pensamos em rosas-dos-ventos, no octógono, numa torre de Atenas de que já escrevemos; e forçosamente em André Grabar.

Um dos primeiros autores onde lemos sobre as diferente representações do Espírito Santo, como já citámos em Monserrate uma Nova História (ver p. 40) e aqui se segue. I. e., exactamente como encontrámos em André Grabar, em Les Voies de La Création em Iconographie Chrétienne (ed. Flammarion, Paris 1979, pp.111-2):

“...Le cas de la troisième personne de La Trinité est intéressant. A la période qui nous concerne, il y avait je pense, un seul symbole du Saint-Esprit, la colombe. Elle apparaît comme nous l’avons vu, au Ve siècle, au moins dans une scène du baptême du Christ (sur une mosaïque du baptistère des Ortodoxes à Ravenne), et dès le début du Ve siècle,  sur le trône de Dieu (mosaïque de Santa Prisca, à Capua Vetere). A part quelques rares répresentations de la Trinité, les imagiers de la fin de l’Antiquité ne paraissent pas s’être posé le problème d’une image du Saint-Esprit qui tiendrait compte de tout ce qui, selon les théologiens, définit sa nature, et en particulier ses relations avec le Père et le Fils. Cette partie du Credo du premier Concile Œcuménique n’a pas trouvé d’écho dans l’art contemporain, et cela devait être souligné, car cette lacune est significative de la distance qui séparait la grande théologie de l’époque de l’iconographie contemporaine. Mais ce qui advint de l’unique schéma iconographique alors utilisé (la colombe) est aussi curieux : Cette allégorie provient bien sûr du texte évangélique qui décrit le baptême du Christ ; il faut cependant reconnaître qu’elle est archaïque, surtout si on la compare aux autres images théologiques, et qu’elle est plus proche des tout premiers symboles chrétiens, comme l’ancre et l’agneau. Ces allégories anciennes se trouvèrent en général remplacées par des figures humaines à partir du quatrième siècle ; mais la colombe du Saint-Esprit resta, et sert encore aujourd’hui à désigner la troisième personne de la Trinité. Les imagiers ont du tacitement reconnaître que le sujet allait au-delà des moyens dont ils disposaient. Néanmoins, même en conservant la colombe symbolique, les artistes auraient pu montrer la procéssion du Saint-Esprit, a fin de traduire le Credo. Ce fut fait d’innombrables fois au Moyen Age. Dans combien de cas voit-on la colombe quittant la main de Dieu Père ou placée de façon à exprimer le filioque c’est-à-dire que le Saint-Esprit procède tout à la fois du Père et du Fils! L’Antiquité semble-t-il, n’a jamais effleuré le sujet…"

No fim resta acrescentar que apesar de A. Grabar o ter dito expressamente desta maneira - "...les artistes auraient pu montrer la procéssion du Saint-Esprit, a fin de traduire le Credo"  - na verdade foi ele, André Grabar, que não viu muitas outras representações, diferentes, do Espírito Santo: imagens que não eram, e não são, a Pomba 

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*Este titulo - "O Espírito inspira onde quer" - é adaptação nossa, feita com a máxima liberdade, a partir de uma frase de Frederico Lourenço: "O espírito, onde quer, espirita". Está nas notas ao Evangelho Segundo João, na p. 333, do vol. I,  Bíblia, Novo Testamento, Os Quatro Evangelhos. 2ª ediçáo, Quetzal, Lisboa 2018.  

** E ainda de relance, podem passar, mentalmente, diferentes escritos feitos a propósito, por exemplo, dos Painéis de Nuno Gonçalves, ou até do quadro da NG, conhecido como The Ambassadors de Hans Holbein

*** Ver op. cit., p. 332

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E sobre o latim hoje (14.02.2021) acrescenta-se este filme

link do postPor primaluce, às 18:00  comentar

 
Primaluce: Uma Nova História da Arquitectura
Janeiro 2021
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