Muitas imagens da arquitectura foram «iconoteologia». Many images of ancient and traditional architecture were «iconotheological». This blog is to explain its origin.
6.11.23

Pensando na matéria de que é feita a obra, há (uma nova moda?) as especulações geométricas que «lhes deitam por cima» (das obras). Julgando que assim as estão a estudar...

De Simão Palmeirim cita-se uma ideia que é essencial reter; registada ao referir-se a estudos de Almada Negreiros, relativos a obras do MNAA. Escreveu (em 2020):

"...Esta sua investigação resultou numa produção ímpar, esbatendo fronteiras entre investigação e criação de arte..." *

Ora muito bem, e muito bom que Simão Palmeirim o tenha registado, já que, como se percebe, há distinções que têm que ser feitas. 

Se há dias - na Convocarte (Revista da FBAUL) de Set. de 2016 - encontrámos «algum debate» (estranho) sobre este tema, é porque faz sentido alertar para as fusões, e imensas confusões, que parecem estar a ser criadas**.

Em vez de se compreender, e investigar, a sério, como seria possível (e é cada vez mais premente, para nos conhecermos!), a História da Arte e a História da Arquitectura, tão intimamente ligadas; agora, o actual fascínio dos (alguns) Historiadores de Arte, pela Geometria - que começam finalmente a descobrir (sublinhe-se) -, em vez desse fascínio seguir o caminho básico, e absolutamente primordial, por ser necessário, agora parece preferir-se a complexidade.

Preferem "l'éblouissement " , que encandeia - mas não deixa ver com clareza...!

E, continuando na analogia, parece que os Historiadores de Arte, de Portugal - os atrasadinhos e invejosos (têm querido ser vistos assim) - esses, como gulosos que nunca viram açúcar, agora vão passar a viver numa dedicação à lambuzice total? Parece.

Para nós, a Geometria que é ferramenta essencial da nossa vida profissional, deu-nos enquanto estudante algumas das melhores notas, mas sem excitação, nem tristezas: tudo normal.

Depois, a Geometria que nos temos referido, e que falta, por ser essencial para compreender as obras de Arte, é a mesma de Isidoro de Sevilha. A mesma (básica) que Hugues de Saint-Victor escreveu em Didascalicon ser  "... la source des sensations et l'origine des expressions."

Tão básica que substituía a linguagem. A ponto de, quando vemos como foi adoptada desde as obras cristãs mais antigas, se poder dizer que a Geometria foi a Gramática de uma língua visual.

E nas páginas abaixo, desenhadas há anos, se podemos dizer que a fig. 1 (da primeira página), é ainda uma imagem (ideograma) algo realista; com o círculo a representar o céu e os planetas, e o semicírculo a abóbada celeste de cada lugar ***. Já para os restantes IDEOGRAMAS, que todos eles representam formas que não existem na natureza - dizemos, como Pugin fez para distinguir a origem dos ornamentos dos estilos (em "created" e "adopted"); sim, dos restantes ideogramas, dizemos que foram criados, para responder a uma necessidade: a tradução visual de ideias teológicas. 

Concretamente - e indo agora buscar a expressão "subtilezas dos teólogos medievais" usada por Umberto Eco - dizemos que se tratam de Ideogramas que foram criados num esforço de esquematização (ou do esclarecimento pela imagem) das referidas subtilezas.

E se por um lado essas imagens correspondem ao "created " que A.W.N. Pugin usou (aplicado aos estilos), para nós isso aconteceu face à necessidade de traduzir, as nuances que eram tão subtis, e as muito ténues diferenças e especificidades, que a Teologia (racional) quis imprimir às três  pessoas da Trindade Cristã.

Na primeira página, depois do círculo, às figuras 2, 3, 4 e 5 passámos a chamar Ideogramas. São imagens constituídas por um ou mais elementos geométricos: sinais significantes, e não símbolos, formas (quase) básicas.  Que nasceram relacionadas com ideias e proposições geralmente aceites (ou dogmas) do cristianismo.

ideogramas-trinit(5).jpg

Ideogramas-ediculas.jpg

Na segunda página, para os três círculos superiores, continuamos a usar a palavra Ideograma. Mas, como se vê pela articulação dos círculos constituintes (de cada um desses ideogramas), eles pretenderam representar relacionamentos diferentes, entre a primeira, a segunda e a terceira pessoa(s) da Trindade. 

Acrescente-se - se é que não é já óbvio no arranjo visual feito? - que ao lado de cada um desses Ideogramas está uma edícula. Aedicula que foi criada para corresponder no significado, ao Ideograma que lhe deu origem.

O que para bom entendedor levaria, como supomos, à percepção de que na origem dos diferentes estilos, e diferentes correntes artísticas, estiveram concepções teológicas que ao longo do tempo foram evoluindo.

I. e., se nos estilos há Arcos ou Edículas diferentes, é principalmente porque as ideias foram mudando. Como, por exemplo, é o caso de um vão constituído por 2 arcos de volta inteira, geminados - reparar no primeiro ideograma e edícula correspondente (na segunda página): esse vão é característico do românico, sendo conhecido por vão bífore.

E se neste período histórico - à volta do ano mil, antes e depois -, assim chamado por ser o tempo do estilo românico, já a questão (dogmática) do filioque era religiosamente pertinente, depois, com o passar do tempo, sabemos, essa querela agudizou-se. Tendo sido necessário reforçar e enfatizar - linguisticamente - essa concepção. Foi quando os dois círculos deixaram de estar lado a lado, e passaram a intersectar-se (como nas teorias de conjuntos).

Por fim, relativamente às imagens das páginas anteriores, quase se pode dizer, que com elas se reuniram os elementos básicos essenciais da Arquitectura cristã (europeia, ocidental). Embora, gradualmente, tenham sido, várias vezes, muitíssimo complexificadas.

E isto tem a máxima importância, já que as referidas complexificações tornaram, e tornam muitas vezes, essas formas irreconhecíveis. Lembrem-se os arcos do claustro dos Jerónimos (em Belèm): Se no piso inferior os arcos são já em "asa de cesto", no piso superior são claramente vãos bifores em nichos/arcos de volta inteira.

Em conclusão, e apesar do nosso «quase» acima referido, podemos afirmar - conscientes do que pode parecer um enorme exagero - , que com esses desenhos ficaram reunidos os principais «esquemas» dos vãos dos chamados estilos históricos:

Românico, Gótico, Renascentista, Maneirista, Barroco...

E passamos agora a Almada Negreiros (que está no título) e ao valor que deu à Geometria. 

Sobretudo quando especulou sobre os Painéis de Nuno Gonçalves - a obra do MNAA, que tem sido objecto dos mais variados estudos. Ao contrário do que foi título de um jornal, em Outubro de 2020, nós teríamos preferido perguntar e não afirmar.

Almada-Painéis-pergunta.jpg(No fim do post ver recorte da publicação original)

Em Outubro desse ano - como aliás a Newsletter do MNAA mostra (e Simão Palmeirim apercebeu-se bem disso) -, ficou claro que pode ser bastante fácil confundir Arte e Investigação. E é um tema sobre o qual começamos a ter exemplos... (lamentavelmente)

Porque, uma coisa é a Geometria enquanto matéria de que é feita a obra: mesmo que a Geometria esteja já muito ao fundo, na raiz, da raiz, dos materiais iconográficos, de que as obras são/foram feitas.

Outra coisa muito diferente, é agarrar em obras existentes - e, numa vontade de criar diálogos com obras do passado, ou de ir ao seu encontro (por isso chamados Encounters na National Gallery); ir depois, sobre essas obras pré-existentes, cobri-las com traçados geométricos! (como está a seguir)

Pode ser muito mais do que excitante e empolgante, por parecer aos intervenientes no processo, que estão a descobrir os traçados directores das obras. Traçados que, sabemos, por vezes existem na arquitectura... Porém, este estilo de adivinhação, também pode ser muita charlatanice (enquanto investigação).

Só que esta hipótese - «ser ou não ser charlatanice»? - é para nós bastante interessante. Pois Almada Negreiros, é sabido, nem sempre se levava a sério. E portanto, no caso dos Painéis que «encheu» de geometrismos, ao fazê-lo,  saturando uma cópia com linhas e fios, na prática o que fez foi chamar a atenção para a obra, que, demasiadas vezes, parece ser a única do MNAA?   

Sabe-se lá se para ele, em parte foi gozo, em parte manifesto? Ou se, ainda em parte, também foi exploração científico-geométrica?

Assim, a afirmação que para alguns parece ser muito excitante - "Foi pela Geometria que Almada entrou nos Painéis de Sao Vicente " -, para quem vive de «riscar geometricamente», para nós, não tem nada de novo; é pouco mais do que chover no molhado.

Mas que seja - desejamo-lo - uma nova perspectiva: um apelo aos Historiadores de Arte para entrarem na Geometria. Entrando definitivamente, e a sério, para haver benefícios e não charlatanices...

 FOTONEWSLETTER-mnaa-b.jpg

* Ler aqui - Newsletter Outubro de 2020.

** Independentemente da justiça, e da falta dela, praticada nas Universidades, pelos catedráticos. que bloqueiam certos alunos e promovem outros. Aliás, a começar pelas desigualdades de género, estamos demasiado habituados às discriminações (desde o berço) e às invejas. Mas, thanks God, também sabemos porque sucedem... 

*** Aqui é impossível não lembrar o Arco (íris), que, inclusivamente, é mencionado no Antigo Testamento, no Livro do Génesis. Não esquecemos que na narrativa bíblica - o Diluvio, o arco é mencionado como sinal de Deus (Iahweh): "...porei o meu arco na nuvem e ele se tornará um sinal da aliança entre mim e a terra..." (Gn 9, 13-14)

Almada-Painéis.jpg

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Primaluce: Uma Nova História da Arquitectura
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