Muitas imagens da arquitectura foram «iconoteologia». Many images of ancient and traditional architecture were «iconotheological». This blog is to explain its origin.
15.12.22

Um post que nos relembra a qualidade do nosso Ensino Superior. E como alguns profs. «reagem alergicamente» a certos trabalhos.

É ainda a propósito de uma fonte baptismal, tunisina, do século VI d.C, que se revela ser ela própria a verdadeira fonte, mas de informações [1]

Assim (agora 15.12.2022) fizemos recolhas, com algumas adaptações, no nosso trabalho parcialmente desenvolvido entre 2006 e 2012

1ª Recolha

(...)

Leiam-se algumas das informações de quem domina, perfeitamente, as lógicas, da Arte e do Pensamento Medieval:

“…São Tomás, que não ignorava a existência de tais signos-imagens capazes de se colocarem numa posição vaga e ambígua em relação ao significado: e são os signos-imagens que aparecem aos profetas quando estes têm uma visão e ficam a saber que virão sete anos de prosperidade por verem sete espigas cheias.”[2]

Porém tentamos fazer aqui alguma distinção, entre as “imagens-signo”, referidas por André Grabar, e os “signos-imagem” referidos por Umberto Eco. Sendo a própria ordem (talvez…) a única indiciadora de algum sentido diferente que as palavras (-referente) possam ter para cada um desses autores?

Nas “imagens-signo”, há um referente que é mais conhecido, como é por exemplo a Concha, que vamos ver adquirir o valor de sinal: segundo se crê, para indicar um cristão, ou os cristãos (colectivamente).

Já o “signo-imagem”, como se supõe, pode ser abstracto (ou apenas estilizado). Porém, o que (lhe) aconteceu, é que de tão divulgado, e tão empregue, com isso adquiriu um novo estatuto: o de uma imagem, comum, tornada habitual. A qual, depois de uma certa banalização, ao ser vista, passou a remeter, de imediato, para um determinado sentido ou Ideia, a que passou a estar comummente associada (como sinal).

Para este caso (em que primeiro está o sinal e depois a imagem), e apontando já, «teleologicamente», para formas iconográficas, e para temas fornecidos pela história; i. e., para factos que ocorreram depois do Período Paleocristão, ocorre-nos como um bom exemplo a “Cruz Pátea”: nascida dos “culots”, resultantes das intersecções dos círculos, vindos da Cultura e Arte Visigótica (...)

2ª Recolha

(...)

Assim, também os objectos litúrgicos empregues no Baptismo (e os que eram empregues na Sagração dos Reis), adquiriram valor simbólico e iconográfico, que estão em inúmeras obras. A Concha, apesar de não a termos encontrado nas descrições bíblicas do Baptismo de Cristo, é no entanto visível em várias obras de pintura. Um óptimo exemplo é o Baptismo de Cristo de Piero de La Francesca: obra do século XV, pertencente à National Gallery de Londres (imagem a seguir vinda de Piero della FrancescaMasters of Italian Art, por Birgit Laskowski h.f. ullman 2007)

Cuja análise se revela muito interessante: porque de novo se vê a associação que foi feita entre a Pomba e a Concha: colocadas na vertical acima da cabeça de Cristo. Note-se, como se trata de um autentico «relato visual», que a cena constitui. Na mão de João Baptista, parece poder reconhecer-se uma Vieira (?).

E Cristo pisa o solo, melhor, pisa as margens de um rio Jordão, representado como um verdadeiro espelho de água. (...)

baptismocrist-pin-PieroDeLaFrancesca-300ppp.jpg

3ª Recolha

(...)

Como mostrámos no trabalho anterior [3], a Pomba foi vista, na prática (mas também erroneamente), como a única representação do Espírito Santo [4]. Nesse trabalho – a propósito da «problemática ariana» – explicou-se como um sinal gótico, foi ganhando força significante, e originou (ainda) outras representações do Espírito Santo.

Mas antes dessas - várias e diferentes representações geométricas - olhe-se para a imagem, muito interessante, que existe em Ravenna nos mosaicos do tecto do Mausoléu de Galla Placídia [5].

Pode parecer incompreensível, mas depois de entendida a imagem, revela-se como uma «simbiose» de enorme criatividade: estando entre o desenho da Pomba e o da Concha, sendo (para nós) totalmente impossível não reconhecer a síntese que foi feita.

O resultado será para a maioria quase abstracto, próximo do ilegível, e talvez por isso, em geral, não (ou nunca)  comentado? Ficando a pergunta, pois não nos lembramos de ter encontrado qualquer menção a esta imagem...

Mas, essa mesma composição, que parece desenhar um Nicho, e que em nossa opinião consegue ser um «misto de pomba e de concha» – e ainda com dois ou três círculos entrelaçados sobrepostos, que representam as Pessoas Trinitárias [6] – ela surge numa outra obra, também em mosaicos, e em Ravenna. Está em S. Vitale, e representa a Imperatriz Teodora, como se estivesse sob uma cúpula, ladeada por elementos da sua corte.  A referida cúpula, mais uma vez (nós) designamo-la como «Concha-Pomba».

Segundo John Beckwith esta é uma obra de c. 547 (...)

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[1] Quando concretamente nos remete para o que são os Projectos de Sinalização visual, contemporâneos. Como os que se fazem para espaços públicos, aeroportos, grandes recintos desportivos, etc., etc. Assunto que também lembra o que seria um tema de doutoramento de uma antiga aluna (C.L.): “A necessidade de sinalização visual, face ao mutismo da arquitectura”. Claro que adorámos a referencia a esse mutismo, pois só o muito desconhecimento leva a que seja mencionado, o que nunca existiu (o referido «mutismo»).  

[2] Ver em Umberto ECO, A Definição da Arte, Edições 70, Lisboa, Maio 2008.

[3] Publicado como Monserrate – Uma Nova História, por Glória Azevedo Coutinho, Livros Horizonte, Lisboa, Fev. 2008. Apresentado na FLUL, defesa da tese de Mestrado em 31.01.2005, com o titulo: A Propósito do Palácio de~Monserrate em Sintra – Obra Inglesa do Século XIX – Perspectivas sobre a Arquitectura Gótica. Como aliás esta registado na BN e se pode ver em post recente     

[4] Ler de André GRABAR, Les Voies de La Création en Iconographie Chrétienne, Flammarion, Paris 1979, pp.111-2, um texto que é essencial para este tema. Já o citámos em Monserrate, uma nova história (ver p. 40); relembre-se que a Pomba, foi, a par com as Línguas de Fogo, que no Pentecostes do Novo Testamento desceram sobre os Apóstolos, uma outra representação do Espírito Santo. Embora, as Línguas de Fogo sejam uma representação que parece estar mais esquecida, elas devem ser associadas à mandorla. Não só por alguma semelhança visual, mas também porque, foi com base nessa mesma semelhança visual, que muitas vezes se foram estabelecendo as longas cadeias polissémicas, a que várias vezes aqui chamamos “catenae”, com base na terminologia de Mary Carruthers. Refere-se Pentecostes do Novo Testamento, por ser diferente do Pentecostes Judaico.

[5] Está agora na nossa página de Facebook

[6] Imagem semelhante ao padrão que já referimos existir na Basílica de Santa Costanza em Roma, também no pavimento da Casa do Infante no Porto. E sobretudo semelhante aos “Círculos Trinitários” de Joaquim de Flora, que apresentou no Liber Figurarum.

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8.12.22

... e o Culto (e vice versa [1])

 

Era diferente/foi diferente teologicamente, Maria ser a Mãe de Cristo ou ser a Mãe de Deus.

Questão que originou enormes discussões e querelas, porque um ou outro conceito, se relacionava diferentemente, com ... - e portanto dando sentidos diferentes - à «natureza» de Cristo [2].

No Oriente usou-se a designação Théotokos, que está (quase) directamente ligada ao dia de hoje, e à proclamação da Imaculada Conceição.

Sintetizada, sem dúvida, e de maneira magnífica, na última imagem, proveniente de um, ou dos vários posts, que sobre o assunto (com destaque para este), já se publicaram há alguns anos.

Embora como se pode ver, há outros posts em Primaluce, e em Iconoteologia [3]).

No entanto, que me lembre, nunca se escreveu sobre a cena da imagem seguinte, a qual foi muitíssimo representada. E que, sobretudo, ficava directamente implicada, no que deveria ter sido (se se tivesse concretizado), o nosso doutoramento [4]...

ThePentecostFB.jpg

É uma imagem de enorme beleza, vinda daqui, e na qual a Mãe de Cristo está representada com os 12 apóstolos, companheiros de Jesus.

Encontravam-se juntos em Jerusalém, vindos do monte das Oliveiras, "... subiram à sala superior, ...", e, mais tarde "Tendo-se completado o dia do Pentecostes,..." [5]

Ora isto vem ainda a propósito da imagem acima, que descreve visualmente a descida do Espírito Santo. Imagem que, para nós, é forçoso associar ao que está no tecto do Mausoléu de Galla Placídia (em Ravenna):

I. e., na fotografia que neste momento é também um pouco «nossa», por estar na nossa página de Facebook.

Só que, e apesar de as termos escolhido, note-se que não consideramos essas imagens,  particularmente bonitas. Mas a Arte - ao contrário do que em geral se pensa - também não tem forçosamente a ver com o «bonito»... Estando em geral os seus patronos, e os artistas executantes, muito mais preocupados com o falante, e com a respectiva capacidade de expressão das ideias.

Se há bonito (?), pergunta-se, o mesmo estará mais relacionado não tanto com a afectividade, ou a emoção que passa, contida e legível nas composições visuais; mas com uma simpatia (ou empatia), pela qual o nosso relacionamento - o de cada um - vai acontecendo, face à obra que admira, ou contempla.

Principalmente porque essa admiração corresponderá, em grande parte, ao reconhecimento da habilidade, e, ou à técnica do autor. Um autor que por isso passamos a dizer que foi habilidoso, reconhecendo nele as qualidades do artista.

Ou seja, reconhecemos que se conseguiu aliar às imagens da obra visual, as palavras, os relatos, e as ideias, que estão contidas nas cenas bíblicas. Neste caso no Novo Testamento, concretamente nos Actos dos Apóstolos, onde se relata o Pentecostes. 

No entanto, no referido relato a presença do Espírito Santo aparece como algo surpreendente: como um "...vendaval impetuoso..." , acompanhado de  "... línguas como de fogo, que se repartiam e que pousaram sobre cada um deles."  O que aliás está na imagem (mas não com o ímpeto da descrição literária, e de uma forma muito mais estática).

Mas também nessa descrição (literária) não se lê que estivesse a Pomba : a imagem (símbolo) que tinha ficado associada ao baptismo de Cristo no Jordão...

E perante esta «desconformidade» estranha-se ...

Só que - e tal como André Grabar escreveu [6] - nem sempre as representações do Espírito Santo, em sua opinião, estiveram ao alcance dos artistas (imagiers) e criadores das obras:

     « Mais ce qui advint de l’unique schéma iconographique alors utilisé (la colombe) est aussi curieux : Cette allégorie provient bien sûr du texte évangélique qui décrit le baptême du Christ ; il faut cependant reconnaître qu’elle est archaïque, surtout si on la compare aux autres images théologiques, et qu’elle est plus proche des tout premiers symboles chrétiens, comme l’ancre et l’agneau. Ces allégories anciennes se trouvèrent en général remplacées par des figures humaines à partir du quatrième siècle ; mais la colombe du Saint-Esprit resta, et sert encore aujourd’hui à désigner la troisième personne de la Trinité »

Assim, em boa verdade, e voltando à imagem que está no tecto de Ravenna, o que para a maioria pode parecer uma Concha, em nossa opinião é/foi, intencionalmente (defendemos esta ideia), uma estilização da Pomba. 

A composição foi desenhada de tal modo que, perante a ambiguidade e a dúvida, se viessem a ler - ou que ocorressem (na mente) - duas ideias, quase simultâneas.  E as duas relativas ao Baptismo: 

A Concha e a Pomba 

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Quanto à imagem seguinte, segundo se crê (e lê, visto que o texto escrito pretende reforçar a narrativa visual) ela corresponde muito mais (do que a anterior) ao que se celebra hoje. Porque, lentamente, durante (13-14) séculos, se veio a reforçar e a defender a ideia da presença de Maria na Igreja 

théotokos-2-300ppp.jpg

[1] Este título, porque se tem a noção que a nossa Cultura – aqui na designação abrangente, i. e., tomada em sentido lato – é, verdadeiramente inseparável do culto cristão.

[2] Divina ou Humana.  Questão que esteve também na origem de algumas heresias...

[3] Como se pode ler indo por aqui e aquirespectivamente.

[4] Intitulado Sinais do Espírito Santo na Arquitectura Posterior ao Cisma de 1054, e suas Sobrevivências. O tema aprovado pelo Conselho Científico da FBAUL em reunião realizada a 28 de Abril de 2006 (conforme documento comprovativo e datado de 8.05.2006).  

[5] E na qual tem origem não apenas o Pentecostes Cristão, mas também - e principalmente pela importância deste facto - a Igreja, como Assembleia dos crentes

[6]  Ver em André GRABAR, Les Voies de La Création en Iconographie Chrétienne, Flammarion, Paris 1979, pp.111-2.

link do postPor primaluce, às 21:30  comentar

4.12.22

Como é sabido, neste tempo em que vivemos as religiões estão fora de moda..

Portanto, azar o nosso, termos ido à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa - estudar o Palácio de Monserrate - e por ele termos concluído (ainda durante os estudos) que a cultura cristã, claro que alicerçada, principalmente, na base grega e romana, esteve na génese daquelas que, ainda hoje, são consideradas as formas-base da arquitectura do Ocidente. 

Incluindo «a nível oficial», e também com fórmulas diferentes para as monarquias e para as repúblicas: 

Falemos nós da sede do Governo em Ottawa, ou por exemplo, dos edifícios dos Parlamentos húngaro (Budapeste); ou ainda, claro, o Parlamento do Reino Unido. No caso deste, em Londres - as Houses of Parliament  foram referidas, directa, e propositadamente, no trabalho que fizemos*. 

Mas também o edifício do U.S. Capitol, em Washington D.C, embora mais classizante, tem marcas e sinais típicos europeus: i. e., ocidentais, cristãos (que participaram de uma ou várias sínteses e simbioses que sempre se fizeram).

Porém, o assunto de hoje, é bastante anterior (no tempo) - apesar da abertura que se fez, e da maior extensão das notas abaixo. Porque é, ainda, e de novo, uma outra pergunta que está subjacente.  Vem na sequência das já colocadas, sobre a Concha.

Concretamente, porque no Mausoléu de Galla Placídia, em Ravenna - ver no tecto -, e desde que avançámos nas nossas investigações, nos apercebemos da existência de círculos; semelhantes aos que Joaquim de Flora usou (mais tarde) para explicar aquilo a que agora, e muito resumidamente, se poderia chamar "Tempo Trinitário" **.

 

Seguem-se 3 imagens, em aproximação crescente.

Note-se como demonstram a necessidade, absoluta, que todos temos, ao investigar, de que existam boas fotografias.

 

Não estivemos no local, mas mesmo que isso tivesse acontecido, claro que o tempo de estudo tem que ser lento, e de rememoração sucessiva: pois há que pensar nas questões implícitas.  Aliás, muitas destas imagens, como vários autores/autoras têm escrito tinham objectivos mnemónicos.

 

Claro que temos dúvidas, se a imagem representa - exclusivamente - uma Concha ? Como se indica na  última ampliação (com a seta). Isto é, por termos em consideração a forma que foi colocada no centro da composição, e sobre os círculos. O que representa, o que terá representado ?

 

Resta acrescentar que a imagem provêm de Alta Idade Média e Românico, Lisboa 2006, Edições Público (p. 47)

TectoGallaPlacídia-2-B.jpg

TectoGallaPlacídia-1-B.jpg

TectoGallaPlacídia-1-C.jpg

* O tal super-incomodativo, que levou os professores a expulsarem-nos da FLUL. E também, a toda a desorientação com que fomos «presenteados» na FBAUL, por um orientador muito pouco profissional...

Ver mais do que eles vêem (os profs. catedráticos), como se percebeu, não era uma pecha pequenina. Mas um gravíssimo pecado! Claro que ao prosseguir, como sempre fizemos - na prática desde 2002 - hoje sabemos das questões de conveniência e décor, de que já Vitrúvio escrevera. E que na arquitectura tradicional, nunca abandonaram a prática projectual/construtiva (o que talvez seja uma constante nas monarquias...? Não sabemos). 

Mais, este assunto até nos levaria (por exemplo) a Regina Anacleto e ao que escreveu (porque não os  entendeu) sobre os contributos, respectivamente, de Possidónio da Silva (arquitecto português) e de Wilhelm Eschewege (engenheiro de minas, alemão), para a obra imaginada por D. Maria II e D. Fernando II, para o Palácio da Pena.

Afinal, o caso que é em Portugal - salvo melhor opinião -, o exemplo maior de obra medievalizante/gótica que a realeza oitocentista chegou a construir.

** Círculos que são os mesmos que, esquematicamente, traduziram em desenho, a concepção do dogma católico designado como "Filioque ".

 

Enfim, este post é também uma sequência, e continuidade, de um comentário que há dias se deixou (ver abaixo), sobre o papel fundamental da  Bíblia na cultura ocidental...

... E da qual a arquitectura faz parte. 

,FB-FredericoLourenço.bíblia-3.jpg

 

link do postPor primaluce, às 13:30  comentar

 
Primaluce: Uma Nova História da Arquitectura
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