Há dias alguém chamou-nos a atenção para este programa da RTP2.
Para a amiga que tinha visto a Visita Guiada em directo, no dia 8 de Outubro (2018), era interessantíssimo o que tinha ouvido. Para ela, que Cláudio Torres tivesse falado de questões religiosas, quase as mesmas, como já nos ouviu referir, várias dezenas ou centenas de vezes.
Acontece que, de facto, não vou a Mértola, como não vou a muitos outros locais de enorme interesse histórico, há muitos anos. Simplesmente por não poder ir...
Foi desde 2001 o progredir na Carreira Docente*, no IADE: o que, como se tem visto, algo que parece ser um blablabla meu..., super enjoativo! E de que já terão lido em vários posts, visto que essas actividades (estudos, investigação escrita), nos iam permanentemente roubando todo o tempo que houvesse.
E, naturalmente, todo o mais que viesse...
Só que, também tudo pode ter o seu contrabalanço, como nos tem sucedido. Se, por esses lados (SANTOS, 24 DE JULHO, IADE) não progredi nada, na minha cabeça, nos meus entusiasmos, ainda não parei de progredir. E de o referir: nas conversas que tenho, constantemente!
Se há pais e mães que falam entusiasmados dos seus filhos, ou também, quase enjoativamente de todos os pormenores, que chegam às fraldas, às horas de os alimentarem, etc., como é normal nas rotinas dessas suas vidas. Aqui, e para nós, estes Themas da Arquitectura, da História, e numa palavra da Iconoteologia; por aqui, o que passámos a entender (e assim a descobrir) passaram a ser também «nossos filhos».
Porque, mais do que uma analogia, trata-se de uma equivalência. Pois se as pessoas - os filhos merecem amor dos pais, também os estudos a que nos dedicamos, tendo valor, merecem energias em que não se regateia, nem o tempo, nem o gosto. Claro que nunca será tanto como o amor (parental), mas há equivalências...
Enfim, destas explicações - ora longas ora demasiado breves - passamos ao assunto de hoje. Mas com aviso prévio: esperando que vejam as imagens da RTP, e sobretudo que oiçam as explicações de Cláudio Torres.
Claro que, e muitas são as razões**, para que as nossas, as respectivas e diferentes explicações, a de cada um de nós sobre este assunto, não sejam coincidentes.
Ao ouvi-lo, claro que concordamos que a sociedade agrária é politeísta; claro que houve sempre (e haverá) uma luta entre rurais e urbanos.
Porém, neste ponto - e lembrem-se agora dos viajantes - aqueles de que Cláudio Torres fala, descrevendo-os a percorrerem o mar mediterrâneo, e já no fim deste, 66 Km acima da foz do Odiana (e Odos é rio em grego) a aportarem a Mértola. Esses viajantes que chegavam a Mértola, vindos talvez da Fenícia e de muitos outros portos, alguns de mais longe, outros de muito mais perto; esses viajantes tinham uma mentalidade rural ou urbana...? Eram politeístas ou monoteístas?
Mas, será que as melhores perguntas que se devem colocar não são outras? Será que não se deve antes questionar se eram Judeus, Bizantinos, Visigodos...?
De qualquer modo ficam estas nossas perguntas (embora algumas outras fossem possíveis...) e vamos avançando.
Lembrando apenas, mas é bastante importante, o que Jean-Marie Mayeur escreveu em Histoire du Cristianisme. Ora, citando de memória, como explicou, para muitos, os simples rurais e urbanos - não estamos aqui a incluir o clero que tinha outro nível cultural -, aqui na península Ibérica, muitos poderiam desconhecer o seu próprio Credo e as respectivas especificidades. Desconheciam, como diz J.-M. Mayeur, o que era de facto diferenciador face aos outros monoteísmos...
Sabendo-se que precisavam uns dos outros, e que em tempo de paz todos conviviam, acrescentamos nós. Numa palavra, eram verdadeiramente ecuménicos, no seu 'religare' - já que, note-se, é este o sentido etimológico da palavra Religião.
Ou ainda - para os raciocínios e as lógicas registadas acima -, porque na base dos monoteísmos, o Cristão incluído, o Islão, e o Judaísmo, como nos é dado compreender, terá existido uma base comum que era o pensamento platónico ?***
Mais, a razão de terem criado diferentes sinais (visuais) como os que apresentámos no post anterior, e passaram à arquitectura; essa necessidade vinha exactamente da dificuldade de entenderem as ideias mais especificas de cada uma dessas religiões (diferentes), pois apesar das diferenças essenciais, eram também, cumulativamente, parecidas e muito próximas. Assim resumiram-nas em esquemas (desenhados e por isso visuais), como nós defendemos.
Em nossa opinião, os moçárabes, também designados cristão arabizados; ou dito de outro modo, os visigodos que permaneceram fiéis às ideias de Ário - e que não se converteram com o seu chefe Recaredo, no IIIº Concílio de Toledo em 589 - podem ter-se refugiado junto dos árabes, depois de 711...
E levaram consigo o sinal que os caracterizava, e é este:
Mas só o contorno exterior, que designo "mandorla moçárabe", visto que no interior está a Cruz da Ordem de Santiago. Ordem a quem «pertenceu» a actual Igreja Matriz de Mértola.
O referido sinal vê-se em Mértola, sobre a rosácea da porta principal da igreja.
A qual é parte integrante do Alçado principal da igreja
(Imagens vêm do Boletim nº 71 da DGEMN, Março de 1953)
Igreja que, de lado, tem ainda um arco em ferradura, pouco ultrapassado, como Vergílio Correia explicou ser a maior diferença entre os Arcos Moçárabes e os Arcos Árabes.
Claro que (depois de tudo isto que escrevi):
1. penso que muitas destas informações seriam úteis a Cláudio Torres e aos estudos arqueológicos que vem a desenvolver em Mértola...
2. como podem ser úteis a todos nós, que precisamos saber mais de religiões e das especificidades de cada uma, ou o que têm em comum, num mundo em que um dos maiores países (Brasil) acaba de escolher um chefe com fortes ligações a uma Igreja.
3. por isso hoje, i. e., num tempo em que alguns acham que 400 caracteres servem para exprimir as suas opiniões (por vezes incrivelmente radicais), é fácil recordarmo-nos de que os monoteísmos do Iº milénio, aqui na península ibérica - cada um mais subtil e com mais especificidades do que o outro...! - tiveram que usar imagens (emblemas) para, de uma maneira prática e rápida se poderem diferenciar (quando isso era preciso)
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*«Coisa» que até tem um Estatuto legal, e se chama ECDU
**A minha formação de base é a arquitectura. Claro que depois chego à História, como tenho lido e estudado, muito de TEOLOGIA. A minha arqueologia, se posso dizer assim (?) não é debaixo da terra, é acima do solo. Está em tudo quanto é sitio, nas construções e nas urbes antigas.
Por exemplo, e como venho a dizer, as varandas - de ferro fundido e de ferro forjado - de Lisboa, estão repletas de imagens que estão nas artes tradicionais, e em obras antiquíssimas. Estão nos sinais dos reis e dos nobres, sinais que associavam às suas assinaturas, como é o caso dos entrelaçados que deixavam abaixo dessas assinaturas. Isto é, na imagem de oitos deitados e encadeados (como sucessivos símbolos do infinito) ficavam louvores a Deus.
Era esta a forma de «lembrarem» a origem divina do Poder que esses reis (e os nobres nos seus feudos) exerciam. Neste caso, o Direito Divino que recebiam por emanação, que é/foi de origem cristã: claramente, no Portugal nascido no século XII.
Mas que vinha de trás pois, por exemplo Constance Chlore - o pai de Constantino I, o Grande, o imperador romano que é considerado aquele que tornou o Cristianismo a religião oficial do Império Romano; repetimos, na Gália, Constance Chlore - como explica Michel Rouche -, recusou-se a obedecer às ordens de Diocleciano, para perseguir os cristãos. Com o pretexto de que esta religião estava já amplamente disseminada...
Assim, e continuando, a minha arqueologia é talvez (?) a compreensão daquilo que tem sido considerado e designado o Inconsciente Colectivo. Só que isso não são ideias vagas! É muito material, real e concreto, que existe, e é tangível. O qual pode dizer-se constitui a Cultura Material, que foi sempre um produto da realização da Cultura (e do Património) Imaterial de cada povo.
***Veja-se em Politeia, o que Platão escreveu sobre o Demiurgo. Claro que o que deixámos acima somo nós a dizê-lo. Pois, como (nos) parece, isto já não é hoje uma querela (ou controvérsia). Mas, simplesmente, uma dialéctica (que produziu avanços), entre tese e antítese. E aqui estou a lembrar-me do que aprendi no liceu (foi há muito tempo, é verdade), sobre Hegel...
Por fim, e para acabar este post: Entre platonismo e aristotelismo, alguém hoje, quando olha para o passado, prende (exclusivamente) os rurais ao aristotelismo? Ou associa, como regra (sem falhas, nem excepções), os platónicos ao mundo urbano?
Nota: reparem que estas nossas perguntas também estão a subentender que de um modo muito directo o aristotelismo ficou associado ao politeísmo, e o platonismo ao monoteísmo. Mas será assim? Foi assim?
RE: Aqui parece-nos (i. e., a mim parece) que alguma coisa aprendemos com a História. E aprendemos quer como civilização, quer como cultura (que naturalmente tem raízes...):
Mais: lembre-se que de S.Tomás de Aquino, se diz que «cristianizou» Aristóteles...