Muitas imagens da arquitectura foram «iconoteologia». Many images of ancient and traditional architecture were «iconotheological». This blog is to explain its origin.
28.8.18

Mais, não passa pela cabeça de ninguém andar a contar sinais que nunca significaram nada, como aliás se pode inferir de «um certo trabalhinho» (que valeu um doutoramento, sendo o mesmo muito pior do que  vergonhoso!).

 

Mas (e porque as obras ficam com quem as faz), avançando explicitamente nas imagens seguintes, e naquilo que a elas tem estado associado ao longo dos tempos, alguma qualidade (significante dos sinais) determinou que por isso fossem usados repetida e enfaticamente durante séculos

 

E sublinhámos, porque as imagens seguintes a que nos referimos, desde a sua utilização num contexto de Antiguidade Tardia  (na Villa Romana do Rabaçal - poderá dizer-se Paleocristão?), até ainda, ao uso que foi feito nas Arquitecturas (revivalistas) do Norte da Europa. Uma tão grande continuidade, de um emprego que perdurou e se fez ao longo do tempo, pode/poderá levar a admitir que o seu significado permaneceu compreensível até aos séculos XVIII-XIX e até mesmo ao século XX?

 

Não podemos responder, não sabemos, concretamente sobre as formas ou os Ideogramas empregues na Arte, particularmente na Arquitectura. Porém, para a Imagem a seguir essa mesma questão nem se põe:

 

Porque o facto da imagem existir com um texto associado, que é explicativo e complementar dos desenhos, é isso que traz até aos nossos dias este imenso conjunto de informações. Do qual se podem retirar ilações infindas. Ou, também, podem-se fazer analogias e estabelecer extrapolações para vários outros casos.

Liber_Figurarum_Libro_de_las_Figuras_Tabla_XIb_Có

Imagem vinda do Liber Figurarum

 

Ler nas notas abaixo (em **) o que diz o Dictionnaire Critique d'Iconographie de Occidentale sobre a figura acima constituída pelos três círculos (em representação do Pai, do Filho e do Espírito Santo) empregues por Joaquim de Flora. Nessa citação notar ainda que são destacados os entrelaçamentos (os quais como também mostramos a seguir, foram sempre cuidadosamente «tratados»).

jflora.entrelaçados.jpgComo se percebe (1,2,3,4,5 e 6) foram retirados da imagem anterior, e ampliados, para melhor fazer notar o cuidado gráfico posto no seu desenho.

 

O mesmo se passando (já a seguir) no pavimento romano de mosaicos, onde - dadas as bordaduras criadas pelos círculos que as geram - essas molduras concêntricas ajudavam a destacar e a tornar visível cada uma das intersecções (e esta ênfase - sublinha-se - deve ser vista como uma retórica visual).

Ou, se quiserem, e como a historiografia em geral designa estas intersecções, diríamos que são técnicas para os entrelaçados, «carregando» nos seus contornos.

 

Certo mesmo é que estamos perante os chamados Entrelacs de muita bibliografia que existe (sobretudo em francês), sobre este tema, e a qual, quantitativamente falando, não é nada pouca.

 

Por isso, e interpretando estes sinais (abstractos mas altamente significantes) Mircea Eliade escreveu  sobre Un Dieu lieur

VillaRomanaRabaçal.jpg

Alguns séculos depois, e como no caso do túmulo de Egas Moniz também outras Arcas Tumulares tiveram  círculos entrelaçados nalgumas das suas faces, e ou na tampa.

 

Neste caso sabemos que o desenho do painel frontal da fotografia - e isso é dito por Owen Jones na sua Grammar of Ornament - como sendo um padrão de origem bizantina.

tum-Alcobaça-círculos.jpg

A Arca acima pertence ao Panteão de Alcobaça, e aparece publicada por José Custódio Vieira da Silva em O Panteão Régio (Edição Min. Da Cultura/IPPAR).

 

Sobre a tampa desta arca já escrevemos noutros posts, por ser incrivelmente trabalhada e muito bonita. Feita a partir de um desenho que também está na obra de Isidoro de Sevilha (Liber de Natura Rerum)

Alcobaça-arca.tumular2.jpg

Da referida fotografia retira-se um excerto para ampliar e evidenciar a dificuldade que este tipo de trabalho exigia

Detalhe-Arca Tumular Alcobaça.jpg

É que, quem desenha, quem esculpe ou quem grava; ou mesmo até quem faz tricots com torcidos; ou quem assente azulejos, por exemplo, todos esses sabem que é necessária a maior das atenções quando se está a planear, ou mesmo já a fazer o trabalho.

 

Do tipo atenção matemática, pois estamos perante padrões que obedecem a regras matemáticas, ou às alternâncias matemáticas do tipo par/ímpar; ou sim, não, sim , não.

 

Mas, muitas outras vezes, de alternâncias e regras bem mais complexas...

ILUMINUR-ALCOBAÇA.jpg

Por fim, vindo da Bíblia de Alcobaça, uma tabela (designada Tábuas de Concordância - relativa às concordâncias entre os 4 Evangelistas). Tabela que se serviu de formas arquitectónicas muito incipientes (mas ainda assim falantes) para separar as colunas de texto relativas a Mateus, Marcos, Lucas e João: O Tetramorfo

 

E aqui mais uma vez ampliado, para que os leitores vejam a importância (significante) que era dada aos entrelaçados:

Tábuas-detalhe1.jpg

Reparem como os arcos ao serem representados com cores, e padrões (rectângulos, ou pequenos cilindros), isso vai garantir uma maior visibilidade e um maior contraste nos locais dos entrelaçamentos.

Tábuas-detalhe2.jpg

Por fim, reparem ainda nas formas dos arcos e dos escudos, nas mãos dos «soldados-guardiões» das referidas Tábuas.

 

Essa formas em que pegam são mandorlas: a imagem que veio a ficar associada - com toda a força de um Símbolo - à representação do Espírito Santo

 

Conclusão (longa):

Ver é muito mais do que a imagem a formar-se no fundo do olho, na retina, ou a «avançar» pelo nervo óptico:

 

Ver é a percepção, mais do que o Olhar. Porque é preciso usar «equipamento intelectual» especifico!

 

Ou, vamos dizer deste modo: Que a massa cinzenta de cada um e o que ela contém (ou já foi inscrito no cérebro, nas diferentes fases de aprendizagem), que tudo isso exista, para se poder saber ler e um dia saber descodificar o que está à frente dos olhos.

 

Isto é, depois de termos o referido equipamento intelectual - toda uma plêiade de informações, já que o saber não ocupa lugar... -, talvez então possamos (e também os nossos leitores) ir mais longe na compreensão de uma temática que esteve na origem dos estilos arquitectónicos.

 

Foi o exemplo de hoje, começando pelos 3 círculos ou anéis de Joaquim de Flora, o que já se deixou no nosso post anterior.

 

E nesse (post) notar a frase (citação) de Copérnico na Carta que escreveu ao Papa Nicolau III. Dizendo que muitos usaram os "círculos orbitais" nas mais variadas situações (i. e., "para o que lhes deu jeito", dizemos aqui nós), utilizando-os como base dos esquemas que fizeram*.

 

Esquemas que numa primeira fase foram só isso; e, repetimos, para uma maior clareza:

Eles foram criados como esquemas de ideias, mas que mais tarde, essas imagens, ao serem colocados nas obras de arte, por vezes de um modo repetido/contínuo (formando padrões) se transformaram - e hoje vemo-los assim - em Ornamentos.

 

E sobre o Ornamento, também aqui esta palavra tem que ser explicada, pois não é por acaso, ou gratuitamente, que no Dictionnaire Critique d'Iconographie de Occidentale (dirigido por Xavier Barral i Altet, PUR, Rennes 2003) se diz o seguinte**:

 

"Historiquement, l'ornement n'est ni gratuit ni auxiliaire. Il est partie prenante de la signification de l'oeuvre qu'il s'agisse d'une architecture conçue comme «parlante» ou bien des registres peints des manuscrits, déclinant un riche répertoire d'ornements comme autant de jalons d'un discours symbolique. (...)" ***

~~~~~~~~~~~~~~~~

*E essa frase é:“…nevertheless I knew that others before me had been granted the freedom to imagine any circles whatever for the purpose of explaining the heavenly phenomena…”

**É também neste dicionário que na entrada Millénarisme se refere Joaquim de Flora e a importância que deu às imagens para explicar a doutrina cristã (ver op cit., na p. 567):

"Il affirme de façon explicite que les mystères du divin peuvent être compris mieux en figurae qu'en paroles."

E mais adiante, explica ainda o Dictionnaire Critique d'Iconographie de Occidentale:

"La figure avec trois cercles entrelacés, avec un segment central commun à trois personnes, montre parfaitemen le point central de la doctrine selon laquelle les Trois sont Un"

Note-se que é exactamente a primeira figura que está neste post

***Ver op. cit, p. 637. Sendo que a frase seguinte (que não se cita aqui, agora) refere autores como George Hersey e Oleg Grabar cujos contributos para a compreensão da Arquitectura Europeia antiga e da Arte Islâmica (antiga), respectivamente, são fundamentais para as mudanças em curso e a haver no futuro próximo na Historiografia da Arte

No fim:

Tudo razões para um Aprender a Ver, que é mais do que necessário ou absolutamente imprescindível para quem quiser estar no mundo das artes

link do postPor primaluce, às 16:00  comentar

16.8.18

Image0007.JPG

Deste desenho há que referir que se trata de «técnica mista» pois deve ter sido começado no adobe illustrator e  depois trabalhado quer à mão quer no paint, e agora digitalizado

 

Vendo bem, isso nem sequer interessa, pois o que importam são as imagens reunidas/sobrepostas/acomodadas* como sempre aconteceu na arquitectura.

 

Tratam-se de imagens mnemotécnicas que ficaram algumas delas por si (ou seja cada uma e não reunidas) associadas aos chamados estilos históricos. Por isso, se das técnicas do desenho até já nem nos lembramos, no entanto, lembramo-nos e bem, das razões porque reunimos estas imagens numa única edícula

 

Quanto aos círculos que geraram as formas acima, já escrevemos sobre eles inúmeras vezes, destacando hoje - além do nosso post anterior - que até na Carta de Copérnico a Nicolau III esses mesmos círculos estão lá referidos:

“…nevertheless I knew that others before me had been granted the freedom to imagine any circles whatever for the purpose of explaining the heavenly phenomena…” **

 

Sendo que na data em que Copérnico viveu os Fenómenos do Céu não eram apenas os secos e delimitados eventos científicos que hoje são. Incluíam-se então nesses eventos toda uma série de questões e de temas que hoje são Metafísica, ou de disciplinas como a Teologia e a Antropologia.

E pensa-se ainda hoje que a representação do Espírito Santo esteve sempre restrita ao emprego de uma Pomba Branca, mas são inúmeros os autores que falam nos Ventos e em Pneuma.  Razão para que alguns esquemas dos ventos de Isidoro de Sevilha também tenham passado à arquitectura.

 

Retornamos assim, hoje, à Torre dos Ventos que está em Atenas, mostrando alguma assimilação, pelo cristianismo, de ideias (componentes) vindas também do paganismo.

 

Um sincretismo religioso que por exemplo está bem patente no muito inovador trabalho de Peter Frankopan - As Rotas da Seda, uma Nova História do Mundo***.

Image0007-b.jpg

 

 *Visto que cada uma destas palavras descreve o que aconteceu
Hoje já nem tanto, pois não há aquilo que foi o contrário do "horror vazio", assim chamado para a arquitectura medieval. Isto, e explica-se, porque na verdade quando os historiadores de arte se referem a "um horror ao vazio" como uma «regra» do estilo românico, é pena que não tenham compreendido que isso foi antes um desejo de aproveitar todas os espaços e todas as superfícies, para nelas colocar nelas qualquer tipo de imagens que representassem um louvor a Deus. 

 

** Ver em: https://en.wikiquote.org/wiki/Nicolaus_Copernicus e ainda em: https://iconoteologia.blogs.sapo.pt/novas-explicacoes-sobre-o-pensamento-97538

 

***Razão para lembrarmos o «nosso» Monserrate que depois de ter tido um outro título na Faculdade de Letras veio a público como Monserrate uma Nova História. Ou seja, depois de ter olhado para todas as Histórias Gerais (do Mundo) e de o seu autor - Peter Frankopan -, ter reunido os importantes eventos mundiais de uma maneira diferente do que é mais habitual, esse autor terá sentido a necessidade de chamar a atenção para esses facto. O que naturalmente lhe deu não só imenso trabalho, mas também o mérito de estar a apontar para caminhos novos que a historiografia vai fazer no futuro

link do postPor primaluce, às 11:00  comentar

 
Primaluce: Uma Nova História da Arquitectura
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