Referimo-nos ao Pensar do Pensamento, algo por que passou Rudolph Arnheim.
Mas passou "en passant", simplesmente. Sem se deter, e não como objecto central dos seus estudos, num livro seu que lemos em francês: La Pensée Visuelle.
O assunto parece ser de grande importância, sobretudo se estivermos num meio em que a Inovação e o Conhecimento sejam um objectivo sério e verdadeiro, como normalmente se espera aconteça nas instituições de ensino superior...
Por isso a pergunta:
“Les bases neurales de l’imagination”, será um tema importante numa Escola de Design*?
“ (…) Concernant l’imagerie mentale et l’imagerie motrice, je vais vous livrer quelques découvertes des neurosciences modernes sur les bases neurales de l’imagerie. L’imagerie mentale utilise en partie certains des mécanismes de la perception. Ce sont les mêmes réseaux qui sont impliqués lors d’une perception visuelle et lorsque l’on ferme les yeux et que l’on commence à imaginer un paysage. L’imagerie mentale et la perception partagent les mêmes structures. Ce sujet fait l’objet d’une littérature abondante et de progrès constants.
L’imagerie et l’émulation mentale peuvent induire des modifications du cerveau au même titre que l’expérience. Je travaille avec le mathématicien Daniel Belkin sur les géométries du cerveau. Chez les mathématiciens, le volume de matière grise augmente avec l’ancienneté. Les chauffeurs de taxis londoniens ont un hippocampe plus développé que le nôtre parce qu’ils l’utilisent pour se représenter l’espace. Il y a donc une plasticité cérébrale importante même lorsque nous ne faisons que penser et utiliser l’imagerie mentale.
Cette plasticité est utilisée dans un grand nombre de domaines. L’entrainement par l’imagerie mentale des sportifs de haut niveau entraine même des modifications neurochimiques (de la dopamine corticale).
L’imaginaire ne consiste pas simplement à créer des images. Il sert à mettre en relation le passé et le futur puisque nous devons plonger dans nos mémoires pour créer des scénarios futurs. Les neurosciences parlent de voyage mental dans le temps. L’imaginaire en tant qu’aller-retour permanent entre le passé et le futur est lié à l’identité (cf. les notions phénoménologique de rétention/propension proposées par Husserl). Imaginer c’est passer son temps à faire cet aller-retour mental entre le passé et le futur entre lesquels se trouve l’identité. (…) »
Este texto vem de: http://www.ihest.fr/la-mediatheque/collections/seances-publiques/ouverture-officielle-du-cycle-278/le-cerveau-createur-de-mondes
Só que, pensando agora no excerto que escolhemos, há que lembrer que há muitas imagens e entre elas estão as geométricas: muito mais «inteligentes» do que todas as outras (e inteligentes dizemos nós..., com base nas nossas razões).
Porque as imagens ou figuras geométricas são abstractas e não representativas (ou directamente icónicas); i. e., não ligando a mente, imediata e directamente, a uma qualquer realidade concreta do mundo natural: uma árvore, uma casa, um rio, etc.
Imagens em que o fenómeno/acto de abstracção é também uma idealização. Pois ao sair do concreto pretende «traduzir» generalizações, e desse modo usa as imagens geométricas para ajudar a pensar, traduzindo conceitos ou ideias, etc., etc., etc.
E não se pense que os “etc., etc., etc.” acima são como uma “bengalinha do discurso”, ou a forma de fazer parecer que se trata de um “big amount of information” (como na tese do outro – aquele honestíssimo, quem todos sabemos!).
Porque foi de facto muito, imenso, o que a Geometria sempre serviu:
Para traduzir ideias, como explica com vários exemplos George Hersey, só que, para além deste autor (G. Hersey), e bem antes dos seus exemplos, ou dos de Louis Sullivan que refere uma Geometria plástica, já havia - para nós já havia (pois lê-mo-lo há bastante mais tempo) - o que escreveu Hugues de Saint-Victor sobre a Geometria. A mesma que Villard de Honnecourt chamou “Jometrie” **
E houve também, ainda antes do abade da Universidade de Paris (que viveu no século XII), o que escreveu o Pseudo-Dionísio. Autor muito anterior ao século XII - nascido onde agora é a Síria, no seculo V-VI d.C. A ele, ao Pseudo-Dionísio que ficou conhecido como Areopagita (e a Maurice de Gandillac que traduziu do grego para francês várias das suas obras), deve-se o excerto abaixo (que nós traduzimos para português e sublinhámos).
Não sendo a primeira vez que se cita, tal a importância que lhe atribuímos (mas apesar disto nunca o vimos mencionado, para além dos nossos blogs), é hoje dedicado aos que se mantêm longe, e querem abster, de toda a compreensão pelo modo como a arquitectura antiga foi falante. Ou, em latim effabilis.
E embora possa parecer que estamos «a alinhar» numa contradição, isso resulta dos prefixos acrescentados à raiz da palavra. O Inefável, Deus - o Indizível, ou Impronunciável, foi muitas vezes «esquematizado» (como fez Joaquim de Flora) a partir de imagens e figuras geométricas. Por isso a frase do Pseudo-Dionísio, Areopagita:
"Uma inteligência perspicaz não ficaria embaraçada por fazer corresponder sinais visíveis às realidades invisíveis"
É um assunto que já várias vezes abordámos, como se pode confirmar aqui (a ler na totalidade):
E se os « chauffeurs de taxis londoniens » têm zonas do cérebro mais desenvolvidas por precisarem de se auto-representar (mentalmente) o espaço citadino em que podem ter de conduzir, por nós sabemos:
- Como o emprego de certas formas (na sua essência invariantes mas introduzidas diferentemente conforme o estilo - ver imagens) tinham por objectivo a transmissão de uma ideia específica (ou eventualmente de várias, que era usual estarem-lhe associadas).
- Que inúmeras obras de Arte são vistas como repositórios de ideias que se pretendiam transmitir. Muitas delas hoje consideradas ilegíveis (e que portanto era necessário transmitir os códigos de leitura); mas que, e como escreveu o Pseudo-Dionísio, Areopagita, algumas dessas obras se mantêm ainda agora legíveis para inteligências mais preparadas e perspicazes***.
- Como acontece por exemplo na Igreja do Convento de Jesus (Setúbal - ver fotos das colunas, que sustentam a abóbada, em que muitos vêem/lêem nessas colunas torsas - que na zona da igreja suportam a parte superior do edifício - a representação de Deus-Trino. Deus que justifica, fortalece e apoia a sua Ecclesia: i. e., a Assembleia dos que lhe são fieis.
Antes de terminar não esqueçam que este post começou a propósito da forma como o cérebro pensa (em imagens). E para nós, há dias, na audição de “Anticipation et prédiction: une extraordinaire faculté du cerveau humain », que podem ouvir a partir daqui
Claro que estas duas imagens (acima no Mosteiro da Batalha, e em baixo numa casa em Portalegre), que foram usadas como ornamentos, e se percebe a sua ideia essencial - que foi o interligar de dois anéis, alianças, círculos (ou até de duas esferas). Estas duas imagens também foram, muitas vezes, transformadas e derrogadas. Usando de uma imensa economia de meios (discursiva/visual) - que se caracteriza por ser altamente sintetizadora; em sínteses que são muito típicas das artes visuais
Notas:
*Podendo perguntar-se algo mais: “O que é preferível? A compreensão do funcionamento da máquina de pensar humana? Ou a compreensão do funcionamento das maquininhas e todos os gadgets que em cada dia, uns e outros vão inventando?”
Por nós já respondemos a esta questão há cerca de 25 anos. Quando preferimos ensinar Projectos, do que continuar a ensinar Tecnologia de Materiais. Pois percebemos que as matérias tangíveis iam mudando conforme as modas, por décadas...
Enquanto as ideias e as concepções imateriais eram muito mais fixas, dependentes do essencial da mente (e dos conhecimentos). Andando portanto mais próximas do imutável.
**De que também já escrevemos: http://primaluce.blogs.sapo.pt/so-pode-deus-e-lavoisier-218667
***A Arte da Memória que Frances Yates estudou e a que Mary Carruthers (entre outros estudiosos e investigadores, para a área das Artes) tem dado uma continuidade relevante, muito inovadora.