Neste caso fez...
Nos estudos sobre Monserrate* e depois sobre aquilo a que passei a chamar uma Iconoteologia, encontrei este episódio, nada bonito, pelo contrário, verdadeiramente muito feio. Horrendo:
Aconteceu na noite de 23 para 24 de Agosto de 1572, portanto há 445 anos, tendo ficado para a História com a designação de Noite de S. Bartolomeu.
Como podem perceber pelos vários links que aqui se deixam (1., 2., e 3.), o referido episódio foi altamente preparado; uma enorme armadilha** (engendrada na corte...). Está relacionado com o posicionamento (mais definitivo) de França, enquanto nação, face à cisão criada entre Católicos e Protestantes.
Claro que em História (não há só uma via única de especializações, como nos «doutoramentos portugas»...) há que articular diferentes tempos – ou factos e datas. Para nos colocarmos (talvez se conseguir?) no passado que queremos compreender e julgar. Em suma, tentando contextualizar e conhecer o que se terá passado.
Assim, lembre-se que tinha decorrido então - ainda não havia uma década -, o Concílio de Trento, que se distribuiu por 3 longas sessões (desde 1545-63). E a última dessas sessões teve a ver (muitíssimo) com a imagética habitualmente colocada nos lugares de culto. Mas, acrescentamos, não apenas para esses lugares de culto, pois «definir e regular a imagética» isso incluía toda a Arte (Cristã***). Abaixo uma página proveniente da Introduction à obra de Jean Molanus, Traité des Saintes Images, Les Éditions Du Cerf, Paris 1996.
(ver maior)
Imagética que, como é sabido, se começou então a diferenciar, propositadamente, entre Arte e Cultura Católica e Arte e Cultura da Igreja Reformada. Uma diferenciação que se fez também por países, tendo surgido os seus respectivos mentores. Como por exemplo foi o citado Johanus Molanus - que tentou responder, em prol do catolicismo, de uma forma muito empenhada e detalhada, às necessidades da sua época. Ou, mais tarde, e nesse caso em prol da Arte, ou Ciência do Design, próprios para a Inglaterra protestante, do Conde de Shaftesbury (third Earl of Shaftesbury - Anthony Ashley Cooper, autor de The Letter Concerning the Art, or Science of Design, como há 6 anos já se abordou). Ver em: http://primaluce.blogs.sapo.pt/28577.html.
Já agora lembra-se que há alguns dias fizemos um post a lembrar Martinho Lutero e a comemoração na Alemanha dos 500 anos (em 31 de Outubro de 1517), do que se considera ter sido a afixação das suas 95 teses.
Voltando a Catarina de Médici (protagonista da maior importância em todo este assunto) e ao Concílio de Trento, foi ela que exigiu que nas últimas sessões (de 1563), que se «legislasse», o que é mencionado no texto acima, relativamente às imagens e ao seu culto. Como se sabe, essas decisões tridentinas, tal como já tinha sucedido depois de Niceia-II, influenciaram, profundamente, a Arte e a Cultura.
E na Europa, também nas suas colónias, a que é hoje chamada Arte do Ocidente, ficou profundamente marcada pelas várias divisões ocorridas e respectivas sequelas. Por exemplo, Martin Kemp - coordenador da História da Arte no Ocidente (em português edição Verbo 2006) não parece atribuir à religião, expressamente, um papel essencial na evolução artística que aconteceu. No entanto - pelo menos implicitamente – pressentiu uma «autonomização» (mais tarde foram correntes/tendências nacionalistas) das diferentes regiões europeias. É nesse seu trabalho que à Parte 3 foi dada a seguinte designação:
“A Arte das Nações: Regimes Visuais Europeus 1527-1770”.
Naturalmente conhecer episódios como este pode dar azo a repulsa, e até uma imensa vontade de negação (muito politicamente correcta). Porém, parece positivo conhecê-los, pois é muito claro que hoje vivemos tempos tendencialmente Ecuménicos.
E é o que se deseja, e faz sentido!
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
*Gérard De Visme - o criador do Monserrate Neogótico (a que chamámos no nosso trabalho, e por influência de Regina Anacleto, “Monserrate-I”) – era de ascendência huguenote.
**Para quem possa estar a seguir a História dos Medicis no Canal 1, aos Sábados https://www.rtp.pt/programa/tv/p34508 , pode ver a violência que aí é retratada: pouco ou nada a ver, com a história mais romanceada (ou até intelectualizada) que muitas vezes temos em mente. Como é o nosso caso (há que o confessar), sobretudo quando se pensa em Pierre Magnard e o que conta de Cosimo Médici: como, com Marsílio Ficino, fez reviver - em Florença -, a Academia de Platão.
***Não esqueçamos que o Poder, a Justiça, exercidas pela realeza e alguns nobres, esse seu direito emanava de Deus, o que em geral (quase sem excepções) se plasmava nas obras da arquitectura. Concretamente nas suas casas como fez Gérard De Visme...